terça-feira, 5 de setembro de 2017

Foi por isto

Tenho andado tão triste que, comparando com o meu estado de espírito, a tristeza é uma grande alegria (Ana Moura). Já não sei o que fazer para voltar aos dias da piada fácil e de rir de nada, como os malucos. Acredito que, por vezes, a terapia de choque é capaz de fazer mais por nós do que os anti-depressivos. Quando a minha filha de 13 anos (que amanhã faz 35) fugiu de casa, no dia seguinte levei-a a todos os locais por onde a tinha procurado. Locais que não estavam muito longe do caminho que ela seguiu, ou não a conhecesse eu como conheço a palma das minhas mãos (naquele tempo, porque agora já quase não a conheço). Só tive azar de, entre as duas hipóteses plausíveis, ter escolhido a errada.
Dizia eu que já não sei o que fazer. Passo os dias e boa parte das noites, com este nó na garganta e o sentimento de que talvez pudesse ter feito mais pela minha amiga. Tinha jurado a mim próprio que não iria usar imagens da Nina no blog e no Facebook. Queria esquecer. Mas não é fácil esquecer algo ou alguém que foi uma parte importante da nossa vida e não adianta esconder imagens, quando as imagens mentais estão presente a cada hora, a cada minuto da nossa vida. Estou como naquela fase em que o cancro me ocupava todos os momentos da vida. Na minha cabeça não havia lugar para mais nada. Todos os segundos da minha vida eram gastos a pensar que já não me restava muito tempo. Sobretudo, não me restava tempo para fazer planos para um futuro que esbarrava sempre num muro de cimento que me limitava o horizonte e me deixava mais triste que um cão capado.
O que me perturba hoje, não é aquela figura ameaçadora, vestida de negro e de gadanha em riste, que surgia nas noites febris, em pesadelos medonhos, a chamar-me ao fundo de um corredor ladeado de pessoas moribundas. O que me traz nesta melancolia, é saber que a figura da minha amiga, a saltitar entre a erva alta, como que a desafiar-me para uma perseguição onde ela parecia saber que ia levar a melhor, já não existe. Mas eu posso dar-lhe vida através das minhas memórias. Até hoje abria uma foto da Nina como abri o relatório daquela radiografia que foi como que a crónica de uma morte anunciada. Levei mais de um mês a decidir-me pela terapia de choque. Levei mais de um mês a perceber que não são estas imagens que me tiram a alegria de viver. São mais dolorosas a imagens virtuais que o meu cérebro não consegue apagar, do que quantas fotos possa publicar aqui. Face a isto, decidi pôr fim a tabus e fazer de uma das imagens mais felizes da minha amiga, o cabeçalho e a foto de perfil do blog e do Facebook. Talvez quando me fartar dela, já tenha interiorizado que a morte é a única coisa que não é irreversível e da qual nenhum de nós pode fugir.
A morte é a coisa mais natural da vida.

3 comentários:

  1. Sei que é difícil e que será sempre mais fácil falar para quem está de fora, mas continuo a insistir na mesma ideia: deste-lhe amor e fizeste o melhor por ela. Talvez isso não atenue o sofrimento no futuro próximo. Como não atenuou o nosso cá em casa quando tomamos uma decisão semelhante com a nossa cadela. Mas, por experiência própria, com o tempo percebemos que prolongar-lhe a sua vida era egoísmo da nossa parte. Estávamos a mantê-la presa à vida, porque não estávamos prontos para despedidas. Mas não era justo continuar a vê-la sofrer. E se há coisa que aprendi na minha (ainda curta) caminhada é que, por mais que soe a um cliché, amar é também deixar partir.
    Agarra-te às recordações boas. E não te responsabilizes. Força!

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  2. Você... Tu, Sr.Espertinho, és uma pessoa muito querida na blogoesfera e a gente, embora compreenda a tua dor, não gosta de te ver assim! Só quero que saiba... saibas que ninguém duvida do amor que tinha... tinhas pela tua cadela, portanto, também não devias sentir-te culpado porque no fundo foi a decisão certa! O que têm de ficar são as coisas boas e não qualquer sentimento negro!
    Força Sr.Espertinho!

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  3. Mais palavras para quê?...
    A Andreia Morais disse tudo o que havia para dizer.

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