domingo, 4 de fevereiro de 2018

Um dia de cada vez

Hoje ouvi (ou li?) que, em Portugal, existem cerca de 500 mil sobreviventes de cancro e, num primeiro momento, fiquei feliz por ser um deles. Mais feliz ainda, porque cá em casa somos dois. Mas depois caí em mim e lembrei-me que por cada um que sobrevive, há muitos mais que morrem.
É óbvio que continuei a sentir que ganhei o Euromilhões, que mais tarde dividi com "a minha Maria", mas não consigo evitar um certo mal-estar e, de certo modo, um sentimento quase de culpa. Eu sei que é burrice, pois a minha sobrevivência não foi obtida à custa das vidas que se perderam, mas pergunto-me: o que é que eu fiz que os outros não fizeram? Fui mais cedo, mas nem sequer foi um ato pensado. Fui porque calhou, porque o médico se lembrou de me mandar fazer um RX. Em termos futebolísticos, é como eu ter marcado um golo com a bola a roçar o poste pelo lado de dentro, enquanto os outros falharam o golo com a bola a roçar o poste pelo lado de fora. Foi por uma margem tão pequena, como pequena é a margem entre a vida e a morte.
Estou feliz por fazer parte dos 500 mil sobreviventes, mas quantos milhares não partiram nestes 13 anos, só em Portugal? Quantos dos que estiveram comigo na mesma sala do hospital, é que ainda estão vivos? Só aqui no bairro, nos primeiros cinco anos, foram meia dúzia deles, todos com cancro no pulmão e só um era mais velho que eu.
Sinto-me muito feliz e ainda alimento a esperança de que descubram um elixir que me deixe viver até aos 500 anos, mas a inquietação passou a fazer parte da minha vida, como o respirar e o comer. Por muito bem que a vida me corra, não há uma hora em que não pense na doença. Não há um plano, um projeto a médio prazo, que não faça soar as campainhas de alarme e uma voz interior que me diz que a vida tem de ser vivida um dia de cada vez.


“Prontes”, ontem acabei por ir almoçar a Évora e dei um salto até Vila Viçosa.
A foto é de Évora, tirada no regresso, na estrada do Redondo, onde não parei, porque os dias são tão pequenos que, às 17 horas é de noite.

7 comentários:

  1. Deve ser uma.luta constante e um medo enorme. Nunca mais vem a cura para essa doença maldita. Ainda vai ca tás muitos anos para chatear a tua Maria ahahahahah
    Bom inicio de semana.

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  2. Acredito que é algo que nos mude por completo. E que, por mais que se tente, tudo isso acaba por vir aos nossos pensamentos :/

    Évora... Redondo... Ai, que saudades!

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  3. Nisso, o Patife está a 100% contigo: a vida tem de ser vivida um dia de cada vez. Um dia de cada vez. Como relembravam repetidamente os pássaros n´A Ilha de Aldous Huxley: "Atenção rapazes, aqui e neste momento!". ;)

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  4. "Um dia de cada vez" é mesmo como têm de ser.
    Tu e "a tua Maria" são uns lutadores e não duvido de como o cancro é uma espécie de "trauma" para vida. É de ficar grato por ultrapassar tal doença!

    R:
    "These things has always been the same
    So why worry now?"
    Exemplo: se o Martin Luther King não tivesse protestado e lutado pelos direitos dos negros, hoje estaríamos com níveis de desigualdade inaceitáveis. O Martin Luther King não pensou: "These things has always been the same
    So why worry now?". Cada um devia fazer a sua parte e lutar por aquilo em que acredita.

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  5. r: Curiosamente, o Miami é o meu favorito :) também acompanhei o Nova Iorque, o único que não conseguia gostar era o CSI. Não sei bem porquê. Mentes Criminosas é a série que mais adoro! Sim, acabam por ir repetindo episódios, mas todas as quartas tens um novo, da 13ª temporada :D
    Esses desconheço por completo ahahahah nem o café te safa :p
    Antes teres sono a ver televisão

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  6. Essa tua preocupação excessiva, acaba por tirar-te a alegria de aproveitares a vida, homem! Não sejas assim...Vive e aproveita a vida, lembra-te que a morte é certa para todos. Sabes como se diz na minha terra?
    homem/mulher doente homem/mulher pra sempre :)

    Gostei muito da fotografia. Claro...vou levar. :)

    Fica bem, Jota.

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